Endometriose, o que é?
Definição:
A endometriose é definida a partir da presença de glândula e/ou estroma endometrial (tecido da cavidade de dentro do útero) fora da cavidade uterina. As lesões ocorrem tipicamente na pelve, mas podem se apresentar em diversos locais incluindo intestino, diafragma, cavidade pleural. Apesar de algumas similaridades com doenças malignas, endometriose é uma doença não maligna que promove um processo inflamatório intenso, que resulta em dismenorreia (cólica menstrual), dispareunia (dor na relação sexual), dor pélvica crônica e infertilidade. Os sintomas podem variar de ausentes até debilitante e alguns sintomas como a dor não tem necessariamente relação com o grau de acometimento da doença. É uma doença inflamatória dependente de um hormônio feminino estrogênio, que afeta as mulheres na pré menarca, idade reprodutiva e pós menopausa.
Sampson em 1927 descreveu endometriose baseado no tecido similar a endométrio encontrado no miométrio, descrito por Rokitansky, no tecido encontrado no septo retovaginal por Cullen e nos cistos hemorrágicos nos ovários – endometrioma.
Acontece com muita gente?
Pico de prevalência da doença ocorre entre mulheres de 25 até 35 anos de idade, ocasionalmente pode ser reportada na fase pré menstrual e pós menopausa. Sabemos que aproximadamente 10% das mulheres em idade reprodutiva tem endometriose. Não é tão simples de identificar a prevalência exata, pois uma parcela da população é assintomática. É uma doença hereditária, pode aparecer em mulheres sem endométrio e até em homens. a chance de ter diagnóstico de endometriose é até 6-9% maior em mulheres que tem parentes de primeiro grau diagnosticados com endometriose e 15% maior se o parente for diagnosticado com doença severa. Alguns trabalhos mais recentes mostram que os fatores hereditários são responsáveis por 50% das endometrioses.
Já sei o que é, mas… de onde vem?
Teorias antigas que ajudaram a construir o pensamento de hoje:
– MENSTRUAÇÃO RETROGRADA – SAMPSON – 1927
– METAPLASIA CÉLULAS MESOTELIAIS – 1942
Hoje a teoria mais aceita sobre o aparecimento da endometriose é a teoria Genética e Epigenética. Já é descrito a existência de alguns loci no Genoma relacionados ao aparecimento de focos de endometriose severa. A epigenética se refere as alterações na leitura do DNA. Refere se as mudanças não no DNA, estáveis, que são passadas aos herdeiros, é a ciência que busca compreender as mudanças na expressão gênica, ou seja, os componentes que podem modificar como os genes são lidos sem alterar a sequência de nucleotídeos do DNA.
Primeiramente, o estresse oxidativo no útero durante a menstruação e na cavidade após o refluxo são potenciais causadores de indução de mudanças genéticas ou epigenéticas. Além disso, recentemente, percebemos a associação de endometriose com infecção pélvica e vaginal e a presença de uma importância do metaboloma na cavidade uterina e peritoneal.
A célula original pode ser de células de endométrio, células tronco, células da medula óssea com defeitos genéticos e epigenéticos herdados. Estes defeitos associados aos defeitos adquiridos sem expressão constituem uma predisposição. Depois da implantação ou metaplasia das células definidas como mudanças estáveis e transmissíveis, endometriose com lesões microscópicas ocorrem. Alterações genéticas e epigenéticas são necessárias para que estas células mudem o comportamento e passem para lesões típicas, císticas ou outros tipos de lesão.
Tratamentos para prevenção de incidentes genéticos e epigenéticos que funcionem como gatilho pra doença é somente especulação. Embora pareça ser atrativo pensar em prevenção da doença que está relacionada ao estresse da menstruação retrógada e do microtrauma nas lesões por infecção.
Fatores de Risco:
Fatores Protetores:
História natural da doença:
A história natural não é clara, é considerada uma doença progressiva, pois doenças maiores podem se desenvolver com o tempo. Embora, lesões sutis típicas se transformando para lesões profundas e císticas não seja observado diretamente. Clinicamente, lesões de endometriose, especialmente em septo retovaginal, não progridem rapidamente quando cirurgia não é realizada. Ainda é incerto se é uma doença recorrente ou não, o que os estudos descrevem são sintomas recorrentes mas não lesões recorrentes. Lesões ovarianas possuem uma recorrência de até 20% em 6 meses, dependendo da técnica cirúrgica e do cirurgião. Recorrência de lesões de endometriose profunda após ressecção completas são raras.
Consequências Gestacionais:
Placentação anômala
Mudanças insuficientes nas artérias espiraladas durante a placentação com aumento do risco de parto pré termo, pequeno para idade gestacional e pré eclâmpsia.
Consequências ginecológicas:
Endometriose é associado a aumento nas concentrações de E coli em sangue menstrual, com infecção vaginal e endometrite crônica.
Endometriose aparenta estar associada a aumento do risco de câncer, a associação com câncer ovariano permanece em debate. Dioxina e radiação são sugestivos de estar associados com endometriose, ambos podem ter efeitos genomicos e epigenéticos. A endometriose que desenvolve em primatas não humanos após radiação de corpo total desenvolve com uma atraso de 5 anos, o que sugere efeito genômico.
Lesões ovarianas são monoclonais, como demonstrado nas lesões típicas, profundas e císticas ovarianas. Lesões multifocais derivam de células progenitoras diferentes.
Tipos de lesões de Endometriose
Os cistos de endometriose ovariana são a mais comum forma de endometriose diagnosticada. Endometrioma – 17-44% das mulheres com endometriose.
Existe, também, a forma de endometrioma de parede, nódulo de endometriose que surge na parede abdominal, mais comumente, no músculo reto-abdominal, provocando dor e aumento de volume na parede abdominal, principalmente, no período menstrual.
Quando o tecido da cavidade endometrial infiltra a parede muscular uterina. Grande correlação com endometriose peritoneal, pélvica. Sintomas mais comuns: sangramento com fluxo aumentado e dor pélvica. Pode estar relacionado ao aumento do risco de abortamento e falha de implantação.
Tecido da cavidade endometrial que se apresenta na cavidade abdominal com acometimento de mais de 5mm de profundidade de tecido, ou, se apresenta em outros órgãos, dentro, ou fora da cavidade abdominal.
Tecido da cavidade endometrial que acomete a camada superficial da cavidade abdominal – peritôneo.
O que sente a paciente com Endometriose?
Entre os sintomas mais comuns apresentados pela endometriose estão: Dor pélvica/abdominal crônica, cólica menstrual severa, sensação de pressão pélvica/abdominal, dor na relação sexual, sangramento menstrual com fluxo aumentado, infertilidade, dor em coluna lombar, disfunção intestinal como distensão abdominal, dor ao defecar, constipação, disfunção de bexiga/urinária como ardência ao urinar, urgência miccional, aumento da frequência urinária. Sintoma geral como fadiga também pode estar relacionado. Sintomas específicos de alguns tipos de endometriose podem estar relacionados ao local diferente de acometimento, assim como: endometrioma de parede e a endometriose em diafragma/torácica.
Assim como temos pacientes com uma grande quantidade de sintomas alguns pacientes descobrem endometriose durante cirurgias eletivas e são assintomáticos.
Por que causa infertilidade?
Endometriose nem sempre causa infertilidade, 30-50% das mulheres com endometriose tem infertilidade. E das mulheres com infertilidade 25-50% tem endometriose.
Os mecanismos que causam infertilidade na mulher com endometriose são incertos e depende, de certa forma, do estágio da doença. As doenças mais leves e iniciais aparentam liberar um processo inflamatório enquanto as doenças mais avançadas estão relacionadas a distorção anatômica. A hipótese mais aceita em relação a endometriose superficial é a resposta inflamatória com produção aumentada de prostaglandinas, metaloproteinases, citocinas, macrófagos e células natural killer, atrapalhando funcionamento adequado do ovário, tuba, endométrio, levando a defeito na foliculogênese, fertilização e implantação.
Endometriose avançada, além do fator inflamatório, está associada a distorção anatômica, atrapalhando a captação dos oócitos pela tuba, motilidade espermática, contração miometrial, fertilização e transporte embrionário.
Pacientes com infertilidade e endometriose tem como marcador principal a idade. Indicação de Fertilização in vitro ou Videolaparoscopia/robótica para tratamento de endometriose deve ser individualizado focando no desejo da paciente, idade, reserva ovariana e qualidade de vida. Terapia medicamentos incluindo supressão hormonal, medicina chinês de ervas, suplementos nutricionais e medicina alternativa não tem mostrado benefício nas taxas de gravidez relacionadas a endometriose e infertilidade.
Como avaliar e diagnosticar a paciente com endometriose?
Exame físico e anamnese são partes fundamentais do diagnóstico, conseguindo inferir o diagnóstico em uma grande quantidade das pacientes. Alguns trabalhos mostram um tempo de demora para diagnosticar entre 7-12 anos.
Achados sugestivos durante o exame físico incluem: nódulos, dor ao exame físico, massas, mobilidade reduzida do útero, lesões que exteriorizam em mucosa vaginal.
Entre os exames laboratoriais de investigação, antigamente se achava que o uso de CA 125 e a Interleucina IL-6 eram bons exames para avaliação, o que não se comprovou correto devido a grande quantidade de alterações que fazem elevar o CA 125, como a própria menstruação.
Exames de imagem: Ultrassom transvaginal com preparo intestinal e a Ressonância magnética de pelve e abdome são os exames solicitados para investigação, possuindo acurácia similar entre si, principalmente, para doenças pélvicas. Quando existe suspeita de lesões em abdome superior ou torácica a ressonância magnética é o exame indicado.
Apesar de oferecer uma suspeita grande para o diagnóstico de endometriose, somente a cirurgia e a análise da peça cirúrgica pode dar o diagnóstico de endometriose. Devido boa parte dos pacientes não necessitarem de cirurgia, podendo ser tratados de forma clínica o diagnóstico de presunção clínico baseado em sintomas, exame físico e imagem é uma opção para pacientes que podem iniciar com tratamento clínico com menos custo e menor intervenção.
Como tratar a paciente com diagnóstico de endometriose?
Precisa tratar sempre?
Algumas pacientes com diagnóstico de endometriose vão ser assintomática. Preciso sempre tratar essas pacientes? Precisamos entender que doença nem sempre leva risco para paciente, e nem sempre causa sintomas, por isso, focamos em uma tríade para avaliar se a paciente em questão necessita de tratamento:
Se a paciente em questão tem um achado de exame e não se enquadra em nenhum dos 3 critérios, não necessariamente precisamos tratar, o ideal é realizar o seguimento da paciente. Se ela se enquadra nos três critérios, então vamos falar sobre os tratamentos a seguir.
Uma das formas de tratamento é o clínico:
O tratamento clínico consiste em mudanças comportamentais, terapias como acupuntura e medicamentos hormonais ou não.
As principais mudanças de estilo de vida necessárias para todas as pacientes que tem alteração da qualidade de vida com endometriose são dietética e atividade física. É sabido que o exercício físico melhora a dor menstrual, e, alguns tipos de alimentos podem auxiliar no controle da dor crônica. Ainda temos estudos pequenos que tentam afirmar quais alimentos são melhores para dor menstrual. Dieta vegetariana com baixo consumo de gordura e aumento do consumo de laticínios tem mostrado melhora do padrão da dismenorreia – cólica menstrual, não necessariamente na doença endometriose.
Vitaminas e tipos de alimentos:
Outras vitaminas relacionadas a melhora da dismenorreia são: Vitamina E, Vitamina B1, Vitamina B6, suplemento a base de óleo de peixe, doses altas de vitamina D antes da menstruação, gengibre durante o período menstrual.
Um estudo reportou uma diminuição do risco de endometriose nas pacientes com consumo aumentado de vegetais verdes e frutas e um aumento no risco com a ingestão de carne vermelha e presunto.
Álcool, café, peixe e leite não tem associação com endometriose.
Não existe uma dieta específica para prevenção ou tratamento da endometriose.
Tratamentos auxiliares:
Além da dieta, exercício físico e acupuntura, a realização de terapia com psicólogos, fisioterapia pélvica para fortalecimento da musculatura e tratamento dos pontos gatilho de dor são aliados importantes no tratamento não farmacológico da endometriose. Procure um bom profissional que esteja ciente das melhores formas de auxiliar no tratamento da paciente com endometriose.
Tratamento medicamentoso:
Dentre os tratamentos medicamentosos: anti-inflamatórios, hormonais e moduladores de dor.
Anti-inflamatórios são usados em pacientes com dor que não possuem um escore de dor muito elevado e/ou que não desejam medicamentos hormonais.
Medicamentos hormonais – contraceptivos – nesta classe incluímos desde as pílulas contraceptivas, até os implantes subdérmicos e dispositivo intra uterino. O Dienogeste, medicamento hormonal criado com objetivo de ser o remédio para endometriose, não provou melhor eficácia do que os contraceptivos convencionais no controle de dor da paciente com endometriose. Contraceptivos injetáveis, dérmicos – adesivo contraceptivo, endovaginais também tem boa eficácia no controle de dor da paciente com endometriose.
Refratariedade ao tratamento clínico, cronificação da dor mesmo com tratamento cirúrgico podem ser indicações de utilização dos medicamentos moduladores de dor como gabapentina, pre gabalina.
Indicações para Tratamento Cirúrgico
Outra opção de tratamento da qualidade de vida e/ou quando acomete algum órgão importante é o tratamento cirúrgico, que consiste na ressecção dos focos de endometriose e reconstituir a anatomia normal da pelve, idealmente, realizado pela via laparoscópica/robótica.
Indicações:
Estadiamento Cirúrgico:
O estadiamento é realizado durante a laparoscopia e segue, em geral, o sistema de score da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM):
Estágio 1 – Doença mínima, caracterizada por implantes isolados sem muitas aderências
Estágio 2 – Endometriose leve consiste em implantes menores do que 5cm. Sem aderências significante.
Estágio 3 – Doença moderada com múltiplos implantes, superficial e profundo. Aderências peritubárias e periovarianas devem ser evidente.
Estágio 4 – Doença severa caracterizada por múltiplos implantes profundos e superficiais, incluindo endometriomas volumosos. Aderências densas estão geralmente presentes.
O estadiamento serve para reportar os achados cirúrgicos, serve para facilitar a comunicação entre profissionais de saúde, mas não necessariamente indica obrigatoriedade de tratamento. Estágio da endometriose não correlaciona com severidade dos sintomas de dor. Pode ter uma relação inversa entre grau de endometriose e fertilidade.
Relações especiais:
Endometriose e Câncer
Alguns trabalhos relacionam a endometriose com o aparecimento de diversos tipos de câncer. Uma metanálise de 2021 publicado na Human Reproduction Update mostrou um aumento do risco de câncer de ovário, tireóide e, minimamente, de mama (4% de aumento de risco). Mostrou também uma diminuição do câncer de colo de útero. O trabalho apresentou alguns vieses, mas serve como uma observação para as potenciais associações entre endometriose e câncer. Dentre os riscos de câncer um já comprovado é o aumento do risco de câncer de ovário do tipo células claras, após a menopausa.
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